Sacrifício Compartilhado



Em tempos de crise, como o que o Brasil atravessa agora com a recessão, a primeira coisa que se deve ter em mente é que é necessário proteger as pessoas tanto quanto for possível. 

Deve existir um senso de sacrifício compartilhado.

Toda empresa tem que definir seu propósito. Tem que ter no mínimo dois tipos de propósito. Um relacionado aos seus produtos e serviços, a fazer diferente para os consumidores, e outro focado nas pessoas, que tem mais a ver com os funcionários. Uma companhia nunca deve se esquecer das pessoas. Se você não puder ter os dois tipos de propósito, o centrado nas pessoas deve ser prioritário. É preciso lembrar que a medida do sucesso é como você impacta a vida delas.

Raj Sisodia escreveu um livro chamado "Everybody matters”, no qual falou sobre uma empresa que passou por uma queda de 50% das vendas e viu os novos pedidos desaparecerem completamente. Nessa companhia, todos os funcionários tiraram um mês de licença não remunerada e, por causa disso, ela conseguiu sobreviver à desaceleração econômica. As pessoas estavam seguras porque sabiam que voltariam para seus empregos. É preciso acreditar que esse momento de crise não vai durar para sempre e, assim, tomar atitudes que vão possibilitar passar por ele sem esmagar a empresa e sem destruir a vida das pessoas. O líder tem que fazer o que estiver ao seu alcance para proteger todos.
Dessa forma, o que acontece quando a economia retoma é o nível de moral e engajamento estar muito, muito mais alto, com uma equipe que acredita que a empresa cuida das pessoas e não só do negócio, que enxerga o funcionário como um ser humano, antes de tudo.
Essa cultura, idealmente, já deve estar em prática. Os tempos de dificuldade acabam funcionando como um teste. Porque muitas companhias tratam bem as pessoas quando os tempos são bons, mas quando os tempos duros chegam é que o comprometimento delas é colocado à prova.

Quando você ainda não tem a cultura, a crise é uma ótima ocasião para criar esse senso de sacrifício compartilhado.

O líder tem que pensar: como eu conduziria minha família durante esses períodos? E fazer a mesma coisa na empresa. Por exemplo, é muito importante unir as pessoas e pensar: como vamos sair dessa situação juntos?
Porque se o líder não faz isso, as pessoas podem começar a viver em um "mundo cão", em uma atmosfera em que cada um fica temeroso por sua própria sobrevivência, disposto a machucar os outros.
Esse senso de família e de sacrifício compartilhado deve ser acertado no topo da companhia. E eu acredito que isso possa ser feito em tempos de crise.
Os chefes também precisam ter senso de sacrifício próprio. Eles têm que estar dispostos a ceder, em uma proporção lógica. Se você está pedindo a seu time para ceder, você deveria ceder ainda mais. Você tem que se doar. O livro de Simon Sinek, chamado "Leaders eat last, lançado em 2014, defende essa ideia. A tradição deveria ser como entre os militares. Quando chega a hora da refeição, as pessoas mais juniores comem primeiro e os líderes e generais ficam por último. É responsabilidade da liderança cuidar das pessoas primeiro. É isso o que se espera de um líder.
Infelizmente, muitos líderes não agem assim. Em muitos negócios, os líderes ganham bônus enquanto os funcionários são demitidos. Isso é errado e não deveria acontecer. É o sacrifício dos líderes que desperta o respeito e o afeto nas pessoas. Quando eles se doam, os funcionários são capazes de fazer coisas incríveis, extraordinárias para protegê-los e, por consequência, para proteger o negócio.
O líder não pode se preocupar só com os números, mas ao mesmo tempo precisa garantir que a empresa vá bem. O ponto que o líder tem que olhar é: a companhia está apta a sobreviver a essa desaceleração? Se sim, ela ainda pode enfrentar perdas, queda de receita...
Quando existe o senso de sacrifício compartilhado, é possível pedir aos funcionários para se doar, talvez até mesmo envolver os fornecedores, os consumidores, todo mundo...
Se a preocupação com os públicos de relacionamento está na mentalidade de uma companhia, durante tempos difíceis o líder pode pedir a todos para ceder.
Essa é a grande diferença de uma companhia consciente. Todo mundo está disposto a dar, e não somente a receber.
A sobrevivência importa. Se a companhia absolutamente não consegue sobreviver com o número de pessoas que ela já tem, então é preciso acessar o último recurso. Quando não há mais opções, é necessário um corte de funcionários.
Mas, de novo, a questão é como se faz isso. Uma vez que se chega à conclusão de que é preciso cortar, deve-se agir da forma mais humana possível.
Você pode fazer isso, primeiro, procurando as pessoas que não estão satisfeitas com o trabalho delas e também dando incentivos para quem está próximo de se aposentar, por exemplo. Também deve se ajudar as pessoas a encontrar novos empregos, a se reposicionar.
Eu acho que o que define um negócio são as pessoas e não o dinheiro. Ao longo do tempo, se você causa um impacto positivo na vida dos outros, você consequentemente terá um negócio lucrativo e bem-sucedido.
No curto prazo, companhias podem sobreviver com perdas, talvez por um trimestre, ou um ano, ou até um pouco mais. A maioria dos negócios tem uma grande habilidade de sobreviver a desacelerações econômicas. Mas muitas famílias não.
Dependendo da família, se alguém perde o emprego, perde-se também a casa, a escola das crianças, muitas coisas ruins acontecem. Portanto, as empresas deveriam se preocupar com esse fardo e compartilhá-lo. Explicar que a liderança não tem a ver com usar as pessoas para atingir seus objetivos, mas a ajudá-las chegar a um lugar melhor, que tem a ver com servidão.
E também sobre o reconhecimento crescente de que a liderança precisa ser uma combinação de valores femininos e masculinos.
Por muito tempo, a liderança foi associada a características masculinas. Acreditava-se que líderes precisavam ser duros, ditar o que as pessoas tinham que fazer, ser ambiciosos, focados nos objetivos financeiros. E agora reconhecemos que não estávamos tratando o lado humano corretamente, com cuidado, compaixão, relacionamento, características tidas como femininas.
Vemos hoje que o líder também tem que olhar para isso. E não importa se é homem ou mulher. Ele tem que ser capaz de acessar essas duas faces. Tem que ser firme, mas também flexível quando a situação demanda, como em tempos difíceis como os atuais. Essa é uma das grandes questões do século, quando as mulheres estão finalmente chegando ao topo. Não se trata apenas de ter mais mulheres, mas de ter mais energia feminina no comportamento dos homens.

Texto Inspirado de entrevistas do consultor Raj Sisodia

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