Mudança de Regra no GLP


Quando a segurança jurídica se cruza com a segurança financeira das empresas e a segurança física das famílias, é preciso discutir o tema para além do campo anódino da burocracia e do mercado. Os últimos movimentos do governo no setor de gás dão um exemplo claro de como uma ideia geral positiva (diminuir as regras e a burocracia) pode ter consequências inesperadas e de larga escala. O diabo que mora nos detalhes assombra o setor de gás e pode comprometer a segurança das famílias brasileiras.

Na ânsia da desregulamentação do mercado de gás, especificamente do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), o governo poderá trazer grandes consequências para o setor de distribuição, incluindo negócios milionários que já estavam engatilhados, e principalmente para a segurança da população brasileira. 

A ideia em estudo pelo governo é revogar a diferenciação nos preços do gás de cozinha. Hoje, o botijão residencial de 13 kg tem um subsídio, mas todos os demais envasamentos não contam com o mesmo benefício. Outra restrição em vigor, e que também deve ser revista, é a que impede que um botijão de uma determinada marca possa ser abastecido por uma empresa concorrente (OM). Outra proposta é autorização para venda fracionada do botijão.


De acordo com leis internacionais e brasileiras que regulamentam e fiscalizam o comércio de GLP, os botijões devem ser requalificados a cada 10 anos. No Brasil essa determinação passou a valer em 1997, quando foi assinado, por quatro ministérios, o Código de Auto-Regulamentação do Setor, que impôs a requalificação; o enchimento de botijões apenas da própria marca; e os Centros de Destroca de vasilhames vazios. A requalificação é um investimento constante, nunca para. Os botijões testados em 1997, depois de 10 anos de uso são verificados novamente e assim continuadamente. O Programa Nacional de Requalificação, gerido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), é o maior e mais bem-sucedido do mundo nessa área. Segundo o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), desde o início do programa, em 1996, até dezembro de 2017, foram requalificados 206 milhões de recipientes e 59 milhões de novos botijões foram adquiridos. Hoje, existem 117 milhões de vasilhames em circulação no Brasil e, a cada ano, 11,5 milhões de botijões são requalificados.

A motivação da regulamentação e fiscalização que agora passa a ser revista pelo atual governo era a redução do número de acidentes fatais com botijões de GLP no Brasil. Em 1991 a impressa brasileira divulgava: “Um prédio de três andares que ocupava área de 6.000 metros quadrados foi totalmente destruído na explosão causada por vazamento de gás no Brás (região central de São Paulo), no dia 2 de fevereiro de 91. Uma pessoa morreu.” A polícia Civil atribuiu o acidente à explosão de 44 botijões de Gás liquefeito de petróleo (GLP), de 90 g cada. Os botijões foram encontrados nos escombros do prédio. A válvula que controlava a saída de gás apresentou vazamento, segundo perícia. Além do prédio onde ocorreu a explosão uma área de 4.000 metros foi atingida. Uma pessoa morreu e 138 lojas, 50 casas e pequenos prédios tiveram suas estruturas comprometidas.

A década de 90 no Brasil foi marcada por constantes acidentes devido ao estado de insolvência que as empresas distribuidoras apresentavam. As companhias distribuidoras de gás liquefeito são portadoras de enorme responsabilidade social. Em inúmeras regiões, o produto é o único capaz de atender a segmentos de baixíssimo poder aquisitivo, chegando a áreas desprovidas de qualquer infraestrutura.

O quadro crítico na época foi a raiz das inúmeras explosões. A falta de recursos para as requalificações, vitais para a segurança e para a redução dos acidentes. Além disso, algumas distribuidoras, para não comprar novos botijões, enchiam os de companhias rivais (OM), facilitando a ocorrência de novos acidentes.

A obrigatoriedade das distribuidoras de utilizarem seus próprios vasilhames com marca e destroca é nossa garantia jurídica que estão preservando a segurança da população nas suas residências. A quem responsabilizar a explosão de um botijão que poderá ser enchido por qualquer um sem responsabilidade pelo vasilhame?

Não bastando o risco acima descrito o atual governo estuda liberar o enchimento parcial dos botijões. Este modelo de venda fracionada é utilizado pelo governo de Gana que agora estuda migrar para o modelo brasileiro para evitar a escalada de acidentes fatais com explosão de GLP devido ao alto risco do modelo fracionado. Foram mais de 255 mortes por acidente de explosão de botijões de 2007 a 2015.

A introdução do modelo de enchimento fracionado significa que serão necessárias pequenas plantas de engarrafamento de GLP localizadas em centros comerciais e populacionais congestionados e irão encher diversas marcar mantendo cilindros cheios perto dos consumidores e famílias.

Centenas de Vidas foram poupadas com a regulamentação que hoje passa a ser revista pelo atual governo colocando em risco um setor vital para sociedade.

O mercado de distribuição em 1955, abrigava 21 companhias de gás e o consumo no Brasil atingia cerca de 200 mil toneladas ano. Em 2018, somente cinco companhias venderam juntas 96% do total de quase 8,6 milhões de toneladas ano vendidas no País.

A recuperação dos preços ocorreu de forma muito lenta após liberação, o que levou a uma forte concentração do setor de distribuição do GLP. O Brasil é o único país onde quatro companhias vendem acima de 1 milhão e 500 mil toneladas/ano.

Entre elas a Liquigás, pertence a Petrobrás, que possui 20 milhões de clientes e cinco mil pontos de venda, teve receita de 5,6 bilhões de reais e lucro líquido de 147,5 milhões de reais em 2018 no meio de um processo de venda a investidores temos mudança de regras a vista.

Enquanto a estatal busca vender seu ativo, o governo decide mudar a regra do jogo, o que pode inviabilizar a sua precificação das ofertas vinculantes programadas o dia 16 de agosto de 2019.

Ricardo F M Miragaia – Administrador de Empresas (FGV), especialista em gestão de empresas, marketing e finanças, Conselheiro Consultivo de empresas do setor de GLP, Comunicação e Tecnologia. Sócio da Miragaia Consultoria por mais de 30 anos com forte atuação em turnaround de empresas.


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